sexta-feira, 11 de março de 2011

HUMANIZAR: Responsabilidade de quem ama

Muito se tem falado sobre humanização do parto, e muitas vezes chego a pensar o que realmente isso quer dizer. Afinal de contas, se a palavra humanizar vem de humano, temos que ir com bastante cautela em sua utilização, pois nem sempre o que vem do ser humano é exemplo de boa conduta, de ações que visem o bem da coletividade e de respeito pela vida.

Basta olhar para o que o homem tem feito a séculos, especialmente seu afastamento e descaso para com a natureza. Não precisamos fazer uma lista, não caberia aqui. O que caberia é encontrar o sentido verdadeiro de ser humano, ou seja: humaniza-lo antes de tentar humanizar qualquer outra coisa. E para isso, teremos que considerar como ponto de partida um retorno a nossa verdadeira origem e essência. Descobrir nossas aptidões naturais, nossa capacidade de promover o bem, de amar, de partilhar a vida com outros seres, de forma harmoniosa. É preciso que olhemos para a vida com os olhos de uma criança, para que possamos compreender de forma simples a naturalidade das coisas da vida. É preciso ainda remexer nossos conceitos e preconceitos, sair do confortável tecnológico e reencontrar a espontaneidade de simplesmente ser que nos permite fluir em acordo com as leis da existência.

Será que é natural, por exemplo, que as fêmeas de nossa espécie, por algum infortúnio, não sejam mais capazes de dar a luz a seus filhos naturalmente como o fazem as outras mamíferas? O que teria acontecido conosco que pudesse realmente justificar o alto índice de partos cirúrgicos? E porque é que isso acontece de forma ainda mais assombrosa a nós, mulheres brasileiras?

Sabemos que muita gente está refletindo a este respeito, que esta é, sem dúvida, uma preocupação importante dentro do cenário das urgências de uma imensa pilha de questões sociais aguardando uma solução. E felizmente, muitas propostas de melhorias já estão sendo implementadas dentro das instituições de saúde, entidades e grupos independentes seriamente envolvidos. No entanto, há ainda muito a se fazer para que possamos transformar o panorama atual dos nascimentos, se há ainda alguma esperança de um mundo melhor, mais justo e afetuoso.

Não é possível que tanto descaso continue acontecendo quanto a esse momento mágico, de extrema fragilidade e importância na vida de cada ser que nasce e que faz nascer. Não é mais possível aceitarmos que o início da vida fora do útero materno seja tão frio, tão carente de delicadeza, de afetividade e respeito e tão mais envolvido com o cumprimento de uma lista infindável de rotinas hospitalares, que, na maioria das vezes, não leva em consideração que tais procedimentos podem causar traumas indeléveis naqueles que as recebem logo ao nascer.

Também não podemos deixar de olhar para a forma como são tratadas aquelas que deveriam ser as protagonistas do evento, as parturientes, fêmeas quase sempre impossibilitadas de simplesmente agirem de acordo com a sua natural espontaneidade e fisiologia. Num momento de enorme sensibilidade e aguçada intuição, são elas conduzidas a se comportarem de forma obediente e sem voz, para que os profissionais de saúde possam fazer o parto, interferindo muitas vezes desnecessariamente no fluxo natural da vida, que rege majestosamente os eventos de forma perfeita e inusitada. O parto é um acontecimento sempre imprevisível, ele não se repete e por isso é tão temido pela ciência, que a duros custos para tantos, acabou criando uma maneira eficiente de torná-lo rotineiro e controlável. E acreditem, o preço de tal atitude é pago diariamente por toda a sociedade, composta de indivíduos nascidos assim, em sua gigantesca maioria. O que mais poderíamos reproduzir enquanto indivíduos dentro de uma coletividade, se fomos recebidos de forma tão desrespeitosa logo em nosso primeiro segundo de vida?

É preciso mudar. É urgente. Humanizar o trabalho de parto e o parto é responsabilidade de todos. É um ato de cidadania, de amor e de respeito pela vida.

Adriana Valverde é professora de Yoga para gestantes, terapeuta ayurvédica e doula.

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