terça-feira, 29 de março de 2011

Uma questão de postura



Uma das questões mais relevantes dentro da meditação é a postura corpórea. Quando pensamos em meditação a primeira imagem que teremos é de alguém sentado de olhos fechados e pernas cruzadas. Esta cena não é nada moderna ha milhares de anos pessoas interessadas em autoconhecimento e espiritualidade, sentaram-se desta maneira para meditar.

Nos principais textos sobre meditação encontraremos a indicação de sentar-se à contemplação, lê-se no Bhagavad Gita:

“Retira-se a um lugar puro, num assento simples e firme, nem alto nem baixo demais, coberto de capim kusha e uma pele de um cervo ou tigre, e um tecido de seda ou lã. E ali sentado, ereto e imóvel, com os sentidos e a mente perfeitamente regulados e a alma uni-focalizada, pratica o homem o yoga a fim de conseguir a purificação da sua alma divina.”

Buddha ao orientar seus discípulos de igual maneira indicou:

“Monges no principio de sua pratica, procure um lugar isolado, num bosque, onde o silencio habite. Sente-se de pernas cruzadas, sem forçar nada e de uma forma confortável, evite, contudo assentos luxuosos que levam a preguiça e danificam a mente. Mantenha o corpo erguido, ereto, mas sem tensão. Observe que a atenção acabará por lhe levar a um relaxamento corporal e a tensão é justamente o inverso...”

Na mística do Cristo ele sugere aos apóstolos: "quando fores orar, entra no teu quarto, fecha a tua porta e ora a teu Pai em segredo.”

O Cristo não aponta uma postura especifica, mas o próprio ato de orar implica numa atitude de reverencia, sentados ou de joelhos, deitados acabaríamos adormecendo certamente. Tratemos sobre o Yoga, normatizou-se na mente do ocidental acreditar que Yoga é a execução de uma série de posturas físicas mais ou menos complexas que terminam no sentar-se de pernas cruzadas e fazer vibrar o mantra OM, e sua divulgação se fundamentou na propaganda de bem estar, flexibilidade e relaxamento que a prática propicia.

Asana tem tradução literal como assento, e é o terceiro membro (anga) dos Yoga Sutras de Patanjali, comumente compreendido como as diferentes maneiras de “construir” a postura sentada de maneira confortável para a meditação formal. Firmeza e relaxamento ao mesmo tempo, o que não se refere simplesmente ao período de meditação formal (sentada, coluna ereta, estabilizada).

A postura dentro da meditação tem grande relevância com absoluta certeza, pois ela determinará a qualidade de nossa mente, uma postura ereta e firme cria condições mentais de atenção e alerta, esta mesma postura também deve vir acompanhada de descontração e relaxamento, ou a tensão aumentaria os desconfortos físicos e afetaria nossa mente tornando-a sobremodo agitada.

Na meditação estamos evidenciando a união entre as polaridades estabilidade/relaxamento, buscando o confortável na pratica, no entanto precisamos compreender a questão da postura para além do corpo. A postura interna é muito relevante. Nos yoga sutras define-se que o asana deve ter estas duas qualidades:

Sthira e Sukha – firme e relaxada - permeiam todo o campo dos movimentos corporais: a firmeza denota força e dignidade e o relaxar é o estado de graça e receptividade. Um corpo bem posicionado resultará em uma mente posicionada na atenção. A maioria das pessoas são desleixadas, desajeitadas nos movimentos e isto é reflexo de uma mente desgovernada, carente de atenção. Por outro lado a meditação possibilita esta mesma força, dignidade, graça e leveza para todo o nosso ser, para nossa vida profissional, afetiva, emocional e mental. Meditar é um estado mental que envolve estas duas qualidades: firme e relaxada.

Nos variados textos sobre meditação existe a indicação de como deveria ser o assento, talvez sejam orientações básicas, literalmente apontando um lugar adequado para a meditação. Eu ainda aposto na possibilidade simbólica de interpretação destas recomendações, Cristo aponta que devemos orar em nosso quarto com as portas fechadas, penso que este “quarto” não se trata de um especifico cômodo da casa, e sim nossa intimidade, fechando as portas dos sentidos, para ouvir a voz interna, este lugar deve ser isolado e puro, e eu reconheço o coração como o aposento do espirito e o lugar mais adequado para assentar nossa atenção.

O assento não deve ser nem muito baixo nem muito alto, esta indicação me leva a refletir sobre o equilíbrio na pratica meditativa, manter-se a meio passo, ou seja, livre de pretensões materiais ou espirituais, harmonizando a experiência psíquica e sensorial, não nos agarrando nem nas experiências psíquicas nem nas sensações físicas, mas mantendo nossa consciência assentada no coração, alinhada e ereta buscando as alturas do espirito, e imóvel sem mover-se atrás dos múltiplos fenômenos, mas posicionada na observação serena de cada manifestação que surge no corpo ou na mente, uni direcionada.

O yogue senta-se sobre a pele do feroz tigre ou do dócil veado, ambos representando a vitória do espirito sobre a natureza animal, com todos os seus impulsos, emoções, instintos mais baixos, ódio e agressividade destrutiva. Através desta pratica purificamos nossa alma divina como declara Krishna a Arjuna seu discípulo. E a alma é o nosso coração, onde registramos nossas experiências que moldarão nosso destino. Se a alma estiver pura, vazia, límpida então nosso destino se transformará, pois tal pureza é a nossa real natureza imaculada, porém esta purificação só é possível dentro da contemplação quando olhamos cada fenômeno sem gerar os venenos mentais do apego, da aversão e da ignorância, que intoxicam nossa mente e coração, mantendo nossas vidas condicionadas.

A atenção mental que dissipa os condicionamentos é dotada de vigor e tranquilidade simultaneamente, e este estado passivo-alerta não pode ser conquistado pelo esforço e sim resultado natural da atenção, é verdadeiro desapego, um estado mental completamente livre de interesses. Apenas quando estamos tranquilos mentalmente e abertos à percepção sensorial (diferente da sensual, que guarda em si o desejo de uma satisfação) é que poderemos expressar esta graça acompanhada de dignidade.

A mente deve ser serena e atenta ao mesmo tempo, desta maneira poderemos gerar as condições internas necessárias para a abertura da visão clara. Compreenderemos que a postura não trata simplesmente do ato de sentar ou das variadas posturas do Hatha Yoga, mas sim da postura interna digna, calma e especialmente sensível. Qual seria então a postura correta do yogue diante da vida? Diante de cada desafio?

Não importando qual a situação, interna ou externa, que vamos enfrentar mantemos a dignidade e a serenidade. Firme e estável no SER real e descontraído e sereno para que não se turve a visão espiritual da unidade.

Postura correta é equanimidade.

E este é o espirito da prática meditativa.

Vida Plena!

Vajrananda (Diógenes Mira)


Atenção sem intenção


Desenvolvemo-nos intelectualmente para estarmos preparados para as demandas da vida. Para isto nos especializamos em alguma atividade, nos preparamos anos a fio, para então realizar o nosso intento. Acho curioso pensarmos nas palavras que envolvem o subjetivo e o concreto de nossos corpos.

Estar preparado é estar “parado antes”, esta pequena suspensão diante de um evento que faz surgir imediatamente a ação ou reação adequada. Estou preparado para fugir ou lutar diante de uma demanda. Quando negativamente não nos sentimos preparados, isto significa que não podemos precisar que tipo de reação teremos diante de uma situação especifica.

Queremos estar preparados, pois queremos estar no controle, queremos antecipar resultados, optar por aquilo que mais nos agrada, e quando perdemos o controle, o que na verdade sempre acontece já que não podemos controlar nada mesmo, nosso corpo sofre em variadas partes uma forte contração, ir contra uma ação é sempre ir contra a vida e sua inevitável capacidade de nos surpreender e ensinar.

Nosso ser esta contraído, pois contrair é o movimento orgânico do medo, tanto no corpo rígido e tensionado, quanto no campo emocional, quando por medo de sofrer e de perder o controle nos fechamos. Este medo paralisa nosso corpo mesmo estando ele em movimento, preso em atividades onde a consciência não “presentifica” as ações, tornamo-nos mecânicos, robotizados.

Por outro lado precisamos compreender a atenção, a própria palavra indica uma negação da tensão, um estado de relaxamento onde a perceptividade, livre de escolhas e do desejo de controlar, flui no momento presente em extraordinária sensibilidade. Por não existir nenhuma contração, por deixar-se ir sem contrariar aquilo que é, que se manifesta neste exato instante no corpo ou na mente, há transbordamento de energia, pois nenhum nó mais a retém.

No entanto a atenção só pode estar presente se estivermos livres de intenção, palavra que significa “em-tensão”, estar tencionado. Se existir qualquer objetivo, qualquer escolha, qualquer preferencia, existirá expectativa, ou seja: "a espera de alguma coisa, a espera que repousa numa promessa ou numa probabilidade”.

A meditação, que é a própria atenção não trás nenhuma promessa, você até pode se interessar pelo funcionamento do cérebro no estado meditativo, você até pode ler varias opiniões a respeito, seja pró ou contra a meditação, existem alguns gurus marqueteiros vendendo a meditação como panaceia espiritual, ou como um supertônico mental que lhe fará um Super-Buda de capa amarela, mas nada disto é meditação.

A essência da escolha é a existência daquele que escolhe, precisa existir uma personagem fixa e imutável escolhendo. Se averiguarmos a ficção da entidade quimérica do “eu”, quem então estará presente na meditação para escolher? classificar, qualificar, julgar e preferir? A essência da meditação é a ausência da escolha. Por tal motivo ela é desinteressada. Nada espera, não toma partido pelo agradável, não rejeita o desagradável, não tece comentários, não se deixa abduzir pelo fluxo de pensamentos, não condena, nem aprova, não se orgulha, não exerce controle, não evolui, nem retrocede, não tem maculas, não deixa rastros, não reforça a personalidade, não gera devaneios nem visões de tipo transcendentalista.

Não nos faz melhores nem piores, pois não compara, não julga, não hierarquiza. O sentar para meditar não deve ter outra expectativa senão o sentar para meditar. Assim experimentamos a nossa real natureza de observadores, investigando os fenômenos da alma humana com todo o seu espetáculo efêmero de sentimentos e pensamentos. Bem como o corpo material com todas as variáveis possíveis de sensações. Meditando nada pode ser garantido, não podemos assalariar esta experiência com nada de concreto ou subjetivo. Não existe lucro na meditação, e nós fomos educados a acumular, a reter, a meditação, no entanto é um esvaziar, e isto não é uma promessa, é um fato observável a todo meditador.

Quando você medita, você esta em contato com o maior espetáculo do universo, você mesmo.

Relaxe e sinta o que este momento presente lhe revela, fique de mãos vazias, pois é assim que chegamos aqui e é assim que partiremos também, plenamente vazios.

Vida Plena!

terça-feira, 15 de março de 2011

Amritabindu Upanishad


Diz-se que a mente pode ser de dois tipos: pura e impura.
Quando é governada pelos sentidos, torna-se impura;
porém, com os sentidos sob controle, a mente torna-se pura.

É dito que a mente pode escravizar-nos ou libertar-nos.
Governados pelos sentidos, tornamo-nos escravos.
Sendo mestres dos sentidos, tornamo-nos libertos.
Aqueles que procuram a liberdade devem dominar os sentidos.

Quando a mente se desprende dos sentidos,
alcança-se o cume da elevação da consciência.
A mestria sobre a mente conduz à sabedoria.
Pratique a meditação. Evite falar desnecessariamente.
O estado mais elevado está além do alcance do pensamento,
pois está além de todas as dualidades.
Repita o antigo mantra Om até que ele reverbere em seu coração.

Brahman é indivisível e puro; torne-se consciente de Brahman
para ir além de todas as mudanças. Ele é imanente e transcendente.
Tornando-se consciente dele, os sábios alcançam a perfeição
e declaram que não há mentes separadas.
Eles somente tornam-se conscientes do que sempre foram.

Na vigília, no sono, no sonho, o Ser é somente um.
Transcenda estes três estados, indo além dos renascimentos.
Existe somente um Ser vivendo em todas as criaturas.
O Uno manifesta-se como muitos, assim como a lua
parece ser várias em seus reflexos na água.

O Ser parece mudar de lugar, embora não o faça,
assim como o ar no pote não muda quando este se desloca.
Quando o pote é quebrada, o ar não percebe isso;
Porém, o Ser sabe quando o corpo se move.

Nós não vemos o Ser, oculto pelo poder da ilusão.
Quando o véu cai, percebemos que nós mesmos somos o Ser.
O mantra é o símbolo de Brahman; sua repetição traz paz à mente.

O conhecimento assume duas formas: inútil e elevado.
Realize o Ser, pois todo o resto é conhecimento inútil.
A realização do Ser é o arroz. O resto é somente joio.

O leite de todas as vacas é branco. Os sábios declaram que
a sabedoria é o leite, e que as escrituras sagradas são as vacas.
Assim como a manteiga esconde-se no leite, da mesma forma
o Ser está presente no coração de cada ser vivo.
Bata o leite com o poder da meditação;
transforme a mente através da meditação no Ser:
pura plenitude, pura paz, pura certeza.

"Eu realizei o Ser", declara o sábio, "aquele Ser que está presente
em todos os seres. Estou unido com o Deus do Amor.
Estou unido com o Deus do Amor. "


Om Shanti Om

Cântico do Zazen

Hakuin Zenji, Zazen Wasan


Todos os seres, por natureza, são buddhas,
Assim como o gelo, por natureza, é água;
Fora da água, não há gelo,
Fora dos seres, não há buddhas.

É triste que as pessoas ignorem a verdade tão próxima
E a procurem tão longe;
Como alguém chorando de sede no meio d'água,
Como a criança de um lar rico vagando entre os mendigos.

Perdidos nos caminhos obscuros da ignorância,
Vagamos pelos seis mundos,
De um caminho escuro para outro;
Quando nos libertaremos do nascimento e da morte?

Por isso, a meditação do Mahayana merece o louvor mais elevado.
A generosidade, a ética e todas as outras perfeições,
Assim como a repetição, o arrependimento e o treinamento,
Tudo isso tem sua fonte no Zazen.

O mérito daqueles que praticam a meditação, mesmo que apenas uma vez,
Purifica os incontáveis erros praticados no passado sem início;
Então, onde estão todos os caminhos obscuros?
A própria terra pura não está distante.

Aqueles que ouvirem esta verdade, mesmo que apenas uma vez,
E a ouvirem com um coração de humildade,
Estimando-a, reverenciando-a,
Obterão méritos sem fim.

Ainda mais, aqueles que se dedicam
E realizam a própria natureza —
A própria natureza que é a não-natureza —
Vão muito além dos meros conceitos.

Aqui, causa e efeito são o mesmo, o caminho não é dois nem três;
Com a forma da não-forma, indo e vindo, nunca estamos perdidos.
Com o pensamento do não-pensamento,
Cantos e danças são a voz do Dharma.

Ilimitado e livre é o céu do samadhi, brilhante é a lua cheia das quatro sabedorias;
Realmente, o que está perdido agora?
O Nirvana está bem aqui, diante de nossos olhos,
Este próprio lugar é a Terra do Lótus, este próprio corpo é o Buddha.

sexta-feira, 11 de março de 2011

As seis estrofes da iluminação

Não sou mente nem razão, não sou ego nem consciência;
não sou audição, nem paladar, olfato nem visão;
não sou espaço nem terra; não sou luz nem ar.
Em forma de consciência e felicidade, eu sou Shiva, eu sou Shiva.

Não sou o que se conhece como energia, nem os cinco alentos vitais;
nem os sete elementos, nem os cinco corpos;
não sou fala, nem mãos ou pés; nem sexo nem eliminação.
Em forma de consciência e felicidade, eu sou Shiva, eu sou Shiva.

Não tenho apego nem aversão; nem ambição, nem ilusão;
orgulho e inveja não são meus;
não tenho deveres, nem objetivos, nem desejos, nem busco a libertação.
Em forma de consciência e felicidade, eu sou Shiva, eu sou Shiva.

Não sou virtude, nem erro; nem alegria nem sofrimento;
nem os mantras, nem os lugares sagrados; nem as escrituras, nem os rituais;
não sou o prazer, nem o que produz o prazer, nem aquele que o desfruta.
Em forma de consciência e felicidade, eu sou Shiva, eu sou Shiva.

HUMANIZAR: Responsabilidade de quem ama

Muito se tem falado sobre humanização do parto, e muitas vezes chego a pensar o que realmente isso quer dizer. Afinal de contas, se a palavra humanizar vem de humano, temos que ir com bastante cautela em sua utilização, pois nem sempre o que vem do ser humano é exemplo de boa conduta, de ações que visem o bem da coletividade e de respeito pela vida.

Basta olhar para o que o homem tem feito a séculos, especialmente seu afastamento e descaso para com a natureza. Não precisamos fazer uma lista, não caberia aqui. O que caberia é encontrar o sentido verdadeiro de ser humano, ou seja: humaniza-lo antes de tentar humanizar qualquer outra coisa. E para isso, teremos que considerar como ponto de partida um retorno a nossa verdadeira origem e essência. Descobrir nossas aptidões naturais, nossa capacidade de promover o bem, de amar, de partilhar a vida com outros seres, de forma harmoniosa. É preciso que olhemos para a vida com os olhos de uma criança, para que possamos compreender de forma simples a naturalidade das coisas da vida. É preciso ainda remexer nossos conceitos e preconceitos, sair do confortável tecnológico e reencontrar a espontaneidade de simplesmente ser que nos permite fluir em acordo com as leis da existência.

Será que é natural, por exemplo, que as fêmeas de nossa espécie, por algum infortúnio, não sejam mais capazes de dar a luz a seus filhos naturalmente como o fazem as outras mamíferas? O que teria acontecido conosco que pudesse realmente justificar o alto índice de partos cirúrgicos? E porque é que isso acontece de forma ainda mais assombrosa a nós, mulheres brasileiras?

Sabemos que muita gente está refletindo a este respeito, que esta é, sem dúvida, uma preocupação importante dentro do cenário das urgências de uma imensa pilha de questões sociais aguardando uma solução. E felizmente, muitas propostas de melhorias já estão sendo implementadas dentro das instituições de saúde, entidades e grupos independentes seriamente envolvidos. No entanto, há ainda muito a se fazer para que possamos transformar o panorama atual dos nascimentos, se há ainda alguma esperança de um mundo melhor, mais justo e afetuoso.

Não é possível que tanto descaso continue acontecendo quanto a esse momento mágico, de extrema fragilidade e importância na vida de cada ser que nasce e que faz nascer. Não é mais possível aceitarmos que o início da vida fora do útero materno seja tão frio, tão carente de delicadeza, de afetividade e respeito e tão mais envolvido com o cumprimento de uma lista infindável de rotinas hospitalares, que, na maioria das vezes, não leva em consideração que tais procedimentos podem causar traumas indeléveis naqueles que as recebem logo ao nascer.

Também não podemos deixar de olhar para a forma como são tratadas aquelas que deveriam ser as protagonistas do evento, as parturientes, fêmeas quase sempre impossibilitadas de simplesmente agirem de acordo com a sua natural espontaneidade e fisiologia. Num momento de enorme sensibilidade e aguçada intuição, são elas conduzidas a se comportarem de forma obediente e sem voz, para que os profissionais de saúde possam fazer o parto, interferindo muitas vezes desnecessariamente no fluxo natural da vida, que rege majestosamente os eventos de forma perfeita e inusitada. O parto é um acontecimento sempre imprevisível, ele não se repete e por isso é tão temido pela ciência, que a duros custos para tantos, acabou criando uma maneira eficiente de torná-lo rotineiro e controlável. E acreditem, o preço de tal atitude é pago diariamente por toda a sociedade, composta de indivíduos nascidos assim, em sua gigantesca maioria. O que mais poderíamos reproduzir enquanto indivíduos dentro de uma coletividade, se fomos recebidos de forma tão desrespeitosa logo em nosso primeiro segundo de vida?

É preciso mudar. É urgente. Humanizar o trabalho de parto e o parto é responsabilidade de todos. É um ato de cidadania, de amor e de respeito pela vida.

Adriana Valverde é professora de Yoga para gestantes, terapeuta ayurvédica e doula.